A micologia, ramo científico que estuda os fungos, possui uma história marcada pela predominância de pesquisadores homens. A contribuição fundamental das mulheres neste campo é, muitas vezes, injustamente desvalorizada. Contudo, sem a participação feminina, o conhecimento científico sobre cogumelos não estaria no patamar atual.
Desde os tempos ancestrais, quando papéis de gênero dividiam nossos antepassados em caçadores e coletores, as mulheres têm sido as guardiãs do saber sobre o mundo natural. Ao longo das gerações, elas acumularam um conhecimento profundo sobre como utilizar os cogumelos para nutrir e curar suas comunidades. No entanto, o Renascimento europeu, entre os séculos XIV e XVII, impulsionou um movimento que retirou a prática da medicina de suas raízes tradicionais, instituindo-a em um sistema profissionalizado. Práticas médicas tradicionais que emanavam das detentoras do conhecimento sobre ervas medicinais e fungos foram proibidas. Aquelas que persistiram na prática dessa medicina ilegal eram frequentemente condenadas à morte. Este foi o início da caça às bruxas.
Estima-se que dezenas de milhares de mulheres foram massacradas durante esse período. Com elas, muito da sabedoria acumulada sobre esses organismos especiais, se perdeu para sempre. Na história europeia, cogumelos foram retratados como símbolos do mal, associados à bruxaria e a infortúnio. A demonização deles na Europa foi transportada para as Américas com a colonização, onde curandeiros tradicionais, na sua maioria mulheres que os utilizavam como remédio, foram demonizados e reprimidos. Em contrapartida, a mitologia chinesa reverencia os cogumelos como substâncias promotoras da vida, com qualidades estéticas, curativas e de prolongamento da longevidade.
Como as Mulheres Moldaram a Micologia Moderna
Em meio a um cenário histórico marcado pela opressão, um grupo de mulheres resilientes e insurgentes, privadas do acesso à educação científica formal, iniciou uma jornada de estudo e pesquisa às sombras. Grande parte das pioneiras na micologia eram mulheres que, apesar de não terem tido a oportunidade de uma formação acadêmica oficial, se dedicaram ao campo com afinco. Frequentemente, essas mulheres eram forçadas a divulgar suas descobertas através de intermediários masculinos, devido aos obstáculos impostos pelo gênero. Até hoje, muitas dessas micologistas não receberam o devido reconhecimento por suas contribuições imprescindíveis ao conhecimento científico dos fungos.
Beatrix Potter (1866-1943)
embora amplamente celebrada como autora e ilustradora de livros infantis, notabilizando-se pela clássica “A História de Pedro Coelho” (1902), era também uma dedicada micologista amadora. Ela produziu mais de 350 ilustrações meticulosas de fungos, musgos e esporos, muitas das quais ainda são referência para a identificação de espécies. Desafortunadamente, devido às convenções sociais da época que restringiam o reconhecimento acadêmico das mulheres, Potter foi impedida de apresentar seu trabalho inovador “Sobre a Germinação dos Esporos das Agaricaceae” perante a prestigiada Sociedade Linneana.
Fanny Hesse (1850-1934)
Em colaboração estreita com seu esposo Walter Hesse, Fanny Hesse distinguiu-se como microbiologista e micologista. Ela foi responsável pela descoberta do ágar em 1881, um meio de cultura gelificante que transformou radicalmente o campo da microbiologia, tornando-se indispensável para o cultivo de células em laboratórios modernos. A inovação, contudo, foi creditada ao seu supervisor, Robert Koch, amplamente reconhecido como o “pai da microbiologia”.
Johanna Westerdijk (1883-1961)
Consagrada como uma das figuras femininas mais influentes na micologia, ela liderou o departamento de fitopatologia na Holanda, onde se dedicou à formação de seus estudantes, dos quais a maioria era composta por mulheres. Destacou-se como mentora de Marie Schwarz e Christine Buisman, duas cientistas que estabeleceram um marco em sua área ao identificar que um fungo era o agente causador da doença do olmo holandês.
Elsie Maud Wakefield (1886-1972)
Foi uma distinta cientista que desempenhou a função de Chefe de Micologia nos Jardins Botânicos Reais do Reino Unido durante quatro décadas. Dedicou sua carreira ao estudo da biologia reprodutiva dos fungos, com especial atenção para os mecanismos de compatibilidade dos esporos.
María Sabina (1894-1985)
Embora não fosse micologista, Maria Sabina tornou-se uma personalidade icônica porque desempenhou um papel fundamental na divulgação dos rituais envolvendo cogumelos mágicos no Ocidente. Residente de Oaxaca, essa curandeira se notabilizou por suas cerimônias sagradas, conhecidas como “veladas”, que utilizavam cogumelos contendo psilocibina, a exemplo do Psilocybe cyanescens.
Giuliana Furci
Destaca-se como a pioneira entre as mulheres micologistas especializadas em cogumelos não liquenizados no Chile. Ela é a CEO e fundadora da Fundação Fungi, que tem a distinção de ser a primeira organização não governamental dedicada exclusivamente ao estudo dos fungos a nível global. Através de sua atuação à frente da Fundação, Furci tem sido uma voz ativa na promoção e valorização do Reino Fungi. Sob sua liderança influente, o Chile alcançou um marco histórico ao se tornar o primeiro país a reconhecer oficialmente o Reino dos Fungos em sua legislação ambiental.
Herança e Horizonte: O Impacto Perene das Mulheres na Micologia e no Progresso Científico

As contribuições das mulheres no campo da micologia são profundamente valorizadas pelo impacto substancial e pelo papel decisivo que tiveram no desenvolvimento do nosso entendimento dos fungos e na progressão geral da ciência. Apesar das persistentes barreiras de gênero, inúmeras mulheres mantêm-se como cientistas de renome, líderes empresariais e detentoras de conhecimento ancestral. Os setores da ciência, ecologia, saúde e ativismo relacionado aos fungos não alcançariam o patamar atual, nem poderiam avançar para o futuro, sem a contribuição feminina.
The future is fungi and female
Mush love,
TMC.